Há um renovar-se de esperanças
Porque hoje é sábado.
Há uma tensão inusitada
Porque hoje é sábado.
Há a comemoração fantástica
Porque hoje é sábado.
E dando os trâmites por findos
Porque hoje é sábado.
Há a perspectiva do domingo
Porque hoje é sábado.
Por todas essas razões deverias ter sido riscado do Livro das Origens, o Sexto Dia da Criação.
De fato, depois da Ouverture do Fiat e da divisão de luzes e trevas
E depois, da separação das águas, e depois, da fecundação da terra
E depois, da gênese dos peixes e das aves e dos animais da terra
Melhor fora que o Senhor das Esferas tivesse descansado.
A tarde era está: sábado 19 de novembro de 2005 em pleno Santiago Bernabéu. A última vez que havia visto o Barcelona ganhar do Real Madrid. Um resultado espetacular todos corroboravam a façanha de Ronaldinho Gaúcho, aplaudido de pé pela torcida madridista. Um Gol feito a partir de uma arrancada do meio campo culminava na rede de Iker Casillas.
Desde então, o Barcelona afundou, seus cracks se contentaram apenas com o que já haviam ganho, logo em seguida a tão sonhada Champions. Não houve motivação, trabalho e esforço para se manter no topo. Os reis da Europa do ano de 2006 se contentaram apenas com este título e nada mais. O Real Madrid assumiu o seu lugar ganhando duas ligas seguidas. E, por último, massacrando o Barça, não só na Ciudad Condal, como também no Santiago Bernabéu com um passillo seguido de 4×1.
Perder para o Madrid, não é apenas perder uma partida, é falhar quando se chega o momento de decidir e não dar a cara para dizer o que se veio fazer. Há dias em que se ganha e outros que se perde é natural. Contudo, o sabor doce da vitória prepara um vigor na confiança. A confirmação do caminho a ser seguido.
Um Barça x Madrid em pleno sábado a noite, não é apenas uma noite de possibilidades, é o dia que la gent blaugrana espera o ano inteiro. É uma noite de paixão, alegrias, emoção, pranto, enfim uma mixórdia emocional indescritível. Há um confronto entre dois modos de vida, duas filosofias. Dar orgulho de ser Culé, não só nas derrotas, como nas vitórias sobretudo em cima do Madrid.
Foi na derrota do Barça que aprendi que la hazaña transciende a la suerte o la inspiración de una noche. Lembro bem desse domingo a tarde na casa de um namorado de uma amiga minha. Havia um ano e meio que não assistia um Barça x Madrid. Como todo jogo entre estas duas equipes, o Barça não podia ter perdido aquele jogo. Foi um claro indicativo de que as coisas não iam bem. A sorte Blau Grana havia desaprendido a ganhar, como bem entoa Nando reis em “Quem vai dizer tchau”.
Quando a sua própria sorte não sabe como ganhar as coisas vão muiiiiiiiiiito mal. Até o momento em que não se sabe deste detalhe, e logo em seguida a venda da ilusão cai. Aos olhos dos outros parece uma façanha ultrapassar aquele Barça de 19 de novembro de 2005. A sorte sem saber ganhar e qualquer inspiração para que as coisas transcorram do jeito que aconteciam parece impossível haver vitórias. E o que fazer então ?!?!?!
Lutar por lutar sem saber com que armas combater, não é tão efetivo quanto parece. É preciso mudar, passar a bola no meio das expectativas. E isso se faz com TRABALHO, ESFORÇO e DEDICAÇÃO. Quando Pep Guardiola assumiu o comando do Barça eu acompanhei toda a pré-temporada. E não imaginava que o Barça perdesse o primeiro jogo da temporada. Apenas fiquei com o pé atrás se esta fórmula seria suficiente para superar a façanha de não mais necessitar da sorte para ganhar. Picasso também disse: Se necessitas de la suerte, empiezas a trabajar.
Mais uma vez as coisas ocorrem em um processo contínuo e no tempo. O Barça foi crescendo a cada jogo durante esta temporada. E, então, chegou o dia de testar a sua filosofia de trabalho. E uma noite fantástica, com esforço e superação de dificuldades o Barça depois de 3 anos voltou a ganhar do Madrid. Resultado final 2×0.
Não foi apenas uma vitória, foi o expurgo da sorte superada por uma façanha e a comprovação do êxito na competência legada por ESFORÇO, TRABALHO e DEDICAÇÃO. A única promessa feita no início da temporada pelo técnico foi lutar com sua equipe até o final. Este sábado mostrou a luta de um Barça determinado a seguir seus ideais “Més que un Club”. Servindo de inspiração tal como nos tempos da guerra civil espanhola, realizando um foco de resistência a franco, ou permitindo que la Gent Blau Grana pudesse falar catalão em suas dependências.
Este Barça mostrou que vale a pena ter sido criado no sétimo dia da criação. Que a gama de obrigações que existe como escola, impostos e outros mais é um mero contra tempo. Tudo isso servindo a indizível beleza da superação e comprovação dos próprios planos escolhidos perante as vitórias. Este Barça inspira a superar o revés que de tempos em tempos a vida proporciona. Como Vinícius de Moraes:
Ao revés, precisamos ser lógicos, freqüentemente dogmáticos
Precisamos encarar o problema das colocações morais e estéticas
Ser sociais, cultivar hábitos, rir sem vontade e até praticar amor sem vontade
Tudo isso porque o Senhor cismou em não descansar no Sexto Dia e sim no Sétimo
E para não ficar com as vastas mãos abanando
Resolveu fazer o homem à sua imagem e semelhança
Acredito veementemente, possivelmente, isto é, muito provavelmente o Barça ganhou do Madrid porque trabalhou duro e mais belo ficou porque era sábado.